domingo, outubro 08, 2006

O Passageiro.. - João Afonso

“Perdoas-me se desejar morrer?” – Perguntou o homem deslavado em lágrimas. As cores tendiam já a morrer na desmedida paisagem celestial, as aves rejeitavam o voo, e os animais dissolviam-se lentamente por entre os arbustos maculados que escorriam agora na tela desfocada.
- Não desistas, suplico-te! – Os bulícios mudos e angustiados ondeavam sem rumo sobre a brisa marinha embrenhada nas altas falésias da tentação.
O rochedo ameaçou ceder, amplificando ligeiramente a suspensa faixa temporal que lhes prendia o impetuoso olhar, onde a emoção dançava ao extremo, onde a esperança descia pelo turbilhão do declínio.
O homem baixou a cabeça, e as baças nervuras que lhe iniciavam o rodeio lentamente engoliram a figura estática.
As palavras obstruídas atravessaram-na como um fantasmagórico assopro – Foi a loucura que salvou o mundo. Executei a minha parte assim como tu também serás salvadora. A verdade é esquiva e jamais se deixará apanhar, apenas decides a descida e os meios de a contornar…
E então os olhos cederam, e a luz propagou-se num confuso clarão.
João Afonso