segunda-feira, setembro 25, 2006

transição - andre oliveira


Lusco-fusco no quarto mais subido da casa ainda em mudanças, ainda e sempre…
Caixas de cartão acolhem biblos envolvidos em jornais, estão arrumadas aos cantos, vão sobrando pelo escuro.
No centro do quarto passa “o raio de luz”, único com permissão de visita á janela minúscula no meio tecto meio parede, a janela está presa por persianas totalmente cerradas, mas há um tal buraco que evoca um tal “raio de luz”, que vai atravessando pó, levantando fervura sobre uma cadeira velha que conservo desde as criancices…
Uma cadeira pequena com cerca de 20 cm de altura de assento em corda, tipo vergado, de várias cores, do laranja ao verde, do azul ao amarelo…
Eu aproximo-me para me encadeirar, fico de coqueras devido ao tamanho desproporcional, difícil de me sentar, difícil descansar ali, não consigo porém evitar,
Evitar uma saudade, saudade de ser criança, e conforto-me só no pensamento e silencio desconfortáveis.
Tanto aperto á minha volta, tudo apertado e nada no sitio, tudo por desembrulhar, tudo por perceber e encaixar, mas faltam “estantes”, no meio de tanta confusão, estico forçada e lentamente a perna e empurro uma pesada caixa de loiças que me intrigava na anterior posição, empurro e escorrego.
Escorrego-me pelo chão e parto a cadeira, fico esticado, em sono e tontura.
Adormeço aos abraços com a cadeira em dois cacos. Duas almas, duas pessoas, entre simbolismos, pai e mãe, afecto e protecção.

Adormeço na felicidade…

Acordo depois noutros dias, limpo e lúcido, farto e atordoado, com a persiana totalmente desperta a chocar-me os olhos.

O som nulogghhjukiiljklkjlklççl que melhor caracterizava o quarto, agora ondulava entre os meus ouvidos doridos, fartos.
Senti depressa os dedos presos, secos em sal. Confuso no meio de areia e mar sereno, o fim de um sonho ressacado só se explica pela praia…

Quais caixas? Qual cadeira?
A minha sobra é uma garrafa lá de Borba a caquejar entre as minhas mãos.

Qual afecto? Qual protecção?
Só o sangue e só os cortes…


andre oliveira