domingo, outubro 29, 2006

"A porta permanecia fechada..."

As crianças chamam, infatigáveis, pelo seu nome na estreia rua, uma pequena e discreta janela abre no primeiro andar e a conhecida, simpática figura acena com o seu belo sorriso – Olá meninos! Saiam da estrada, cuidado com o carro!
A janela volta a fechar enquanto as crianças se retiram, a cortina é lentamente corrida. A rapariga despe a fina camisola e volta para a cama. Os olhos perderam o brilho.

*
Cai dolorosa chuva sobre o estéril vale da estagnação. O homem senta-se em silêncio e espalha as sujas moedas sobre a pequena mesa – Já não existe retorno, a desgraça calha a todos…
*
Holocausto das almas vingadoras da criação. Víboras efervescentes nos escombros da penumbra divulgam o cessar do massacre.
“Entrem irmãos, iniciemos a conferência; sejam confessadas vossas fraquezas sobre a tábua peremptória.”
A promessa será cumprida, o ordinário será alcançado…
*
A decisão foi tomada, consciencializa-te agora e para sempre antes de consultares o poderoso mecanismo, ergue-te para a repetição e degradação, acolhe o desgaste e risco aprovado; desperta, no irrepreensível reside a cómoda estagnação.
*
Prime a fundo o pedal da descoberta, anseio pelas asas, o sangue e a perdição no labirinto da fotossíntese.
*
Deambuleis pela rua, frágil pedaço de película;
Remendeis picos de saudade no limiar de sub-carga.
"Desculpa a minha ignorância..."
"Desculpa a minha dependência..."
*
Não permitas o submisso desfecho em tranquila transferência, desistente idiota em dormente meditação. Solta as amarras antes de partires e liberta as lágrimas em segredo no cómodo areal sob a destreza do disfarce.
Não passa de uma bendita repetição, descuidado sorriso de plástico debaixo de fogo inimigo – Na outra historia a insurreição deu-se após o capricho retirar o véu, esta noite a viagem será rápida e objectiva.
*
Corremos descalços pela longa praia até uma profunda escavação oceânica desocupada pela maré.
A lua rutilava redonda, desenhando uma perfeita linha sobre a profunda imensidão que ondulava em plano de fundo sobre os seus ombros nus.
Deliciei-me com o sal dos seus tímidos lábios que rapidamente expuseram o espontâneo anseio reluzente no prazenteiro olhar, incapaz de encobrir o voraz apetite.
As roupas caíram na areia e juntos caminhámos rumo à escuridão…
"Merda, Merda & Mais Merda..."
João Afonso

sexta-feira, outubro 20, 2006

A estas horas

Mas que sítio é este?
Penso enquanto fumo um cigarro numa varanda desconhecida, de uma casa desconhecida, num sítio desconhecido. Não vejo ninguém familiar, só vejo o vazio da atmosfera fria que sustém em silêncio uma rua desconhecida e deserta, numas horas em que apenas oiço o crepitar do cigarro que queima enquanto dou mais um bafo.
Sou a única pessoa acordada á face da terra.
Quando o vazio é a única emoção que nos ocupa, a solidão é a única testemunha de uma pessoa esquecida, arrumada a um canto.
Porque é que tudo acaba por ser tão impessoal?
Porque é que as pessoas perdem tão facilmente o contacto umas com as outras? Não porque tiveram divergências, não porque houve recentimentos, mas sim porque simplesmente seguiram caminhos opostos...
É chocante.
Nessa noite vi alguém resignado a uma garrafa de vinho, que outrora teve a consideração e respeito dos outros, mas que hoje já só lhe resta o néctar do esquecimento, que ainda saboreia graças á reforma que recebe depois de uma vida inteira a trabalhar. Provavelmente bebe para esquecer. É alguém que não é mais do que um objecto, uma peça de roupa que já não se usa. Em tempos fez coisas boas, coisas más, teve alegrias, desgostos, mas a estas horas da noite já ninguém se lembra.

RL

domingo, outubro 15, 2006

Os planos da estrutura ("A Ponte") - João Afonso




Os laços apertam a arrojada insistência, doce garantia em baloiços de seda. Somos os criadores e os condenados da doença, breves criativos em espasmos de indiferença, esguios entre as lentas e abrasadoras páginas do decadente desespero inusual.
Quero adormecer na corrente e observar a criatura, fantasiar no desgosto e alargar a dimensão.
Sorridente introspecção pelas fontes que viram o fim, o circulo desvanecer no crepúsculo, os membros balançarem pelo infinito corredor, rumo aos portões do começo. O homem subiu as escadas e caiu em si… «Vejo-me no centro da actividade e inactivo socializo esmorecido…»
Alguém estendeu a mão, o gesto foi ignorado – Quero aterrar sob o meu comando – Exclamou em crescente excitação – Se soubessem o quanto custa soltar o prazer da corda que aqui me prendeu; odeio os extremos, o hábito e a fuga.
O peso tornara-se insuportável, mas o tranquilo precipício não cessara de irradiar seu descontentamento.
Quem assoprou a vela? Atende ao distante chamamento e não te acanhes no salto, pois a inversão sim, é catastrófica, a escala ridícula, básica e imprevista.
Quem assoprou a vela em pleno vendaval? Observa as gotas no vidro e respira fundo pela alegria de viver. A liberdade é indestrutível, os ponteiros superiores...
“Abre o sarcófago e reclama a dor, ultrapassa a ignorância e aprende com a natureza…”
Acredito, antes de emborcar o copo, que a felicidade predomina no buraco; acredito, antes de expor o corpo, que a vontade é nua e cruel.
As árvores choravam em estático silêncio, as ruínas da cidade encurralavam o coro infernal. O guerreiro despiu a armadura e rastejou sob o húmido e arenoso solo, engoliu heroicamente a agonia e deixou as pálpebras fechar em absoluta dormência.
“Ordeno o silêncio imediato! Haja ordem nesta sala! Disponho e exerço da vontade e direito de descarregar a minha raiva e descontentamento em quem menos precisar ou desejar.” Egoísmo? Adjectivo e objectivo, humilde e evolutiva postura, partilhada no seio da família, agressiva intimidade em transitória viagem de confiança.
Dispendiosa raça, desperdício vivo. Enredo sem interesse, pobres personagens sem valor pela ligação vital. Segurando a mascara de critico pecador, representou nas peças mais importantes, incomodando os sonhadores. Onde reside o orgulho daquilo que não construímos? Quem aprende a fazer perguntas engolindo as respostas erradas? Quem não deseja publicar sua insignificante revolta? Aponte a sua preferência pois existem mil e um ofícios. Esqueça a ambição quando nascer o sol e crie uma desconfortável rotina, os pódios estão preenchidos, tudo está inventado, a tentativa será oferecida ao melhor e os atentos invejosos não cederão. Onde está agora a vontade? Existe uma explicação para o objectivo, é um adjectivo.
“Mudem o cenário! A esperança morreu durante a madrugada…Amanhã serão iniciados os preparativos para o fúnebre festival, desejo-o ligeiro e simplório, não faço intenção de quebrar regras.”

Imagem retirada do link: http://www.dvirgallery.com/images/artists/rNemet/rNemet7L.jpg
Escrito não corrigido até ao momento por falta de disposição fisica e mental - João Afonso

sábado, outubro 14, 2006

Vénus

Enquanto Vénus me fazia a pergunta mais banal deste mundo, fitando-me com uns olhos verdes que sorriam numa insinuação quase provocante, dei por mim a divagar nos seios redondos e firmes, que o decote do top vermelho, um pouco mais aberto que o normal evidenciava, erectos e apertados entre si. O sol incidia nos seus longos cabelos vermelhos de desejo ardente, que exalavam um aroma inconfundível de uma deusa acabada de sair do banho.
Não faço ideia de que assunto se tratava, limitei-me a acenar com a cabeça num gesto de concordância, enquanto me perdia com tanta beleza, fascinado pelo contraste entre a sua voz doce, rosto lindo e sorridente de perfeição angelical, e as suas curvas voluptuosas e estonteantes capazes de fazer estampar o homem mais casto e santo á face da terra, o resultado era de parar o coração.
Limitei-me a vê-la afastar-se com graciosidade invulgar, e um balancear perfeito de ancas, de uma mulher que sabe mais do que quer admitir, que pressente mais do que demonstra ao passar, que deseja muito mais do que quer fazer querer.
Vénus é poesia em movimento, é a tensão incontrolável do sexo implícito, é um relance da beleza do infinito alojado num mundo feio e reles.
Embora não demonstre qualquer conhecimento, ou sentimento de culpa, uma mulher destas não pode ser inocente.
RL



domingo, outubro 08, 2006

O Passageiro.. - João Afonso

“Perdoas-me se desejar morrer?” – Perguntou o homem deslavado em lágrimas. As cores tendiam já a morrer na desmedida paisagem celestial, as aves rejeitavam o voo, e os animais dissolviam-se lentamente por entre os arbustos maculados que escorriam agora na tela desfocada.
- Não desistas, suplico-te! – Os bulícios mudos e angustiados ondeavam sem rumo sobre a brisa marinha embrenhada nas altas falésias da tentação.
O rochedo ameaçou ceder, amplificando ligeiramente a suspensa faixa temporal que lhes prendia o impetuoso olhar, onde a emoção dançava ao extremo, onde a esperança descia pelo turbilhão do declínio.
O homem baixou a cabeça, e as baças nervuras que lhe iniciavam o rodeio lentamente engoliram a figura estática.
As palavras obstruídas atravessaram-na como um fantasmagórico assopro – Foi a loucura que salvou o mundo. Executei a minha parte assim como tu também serás salvadora. A verdade é esquiva e jamais se deixará apanhar, apenas decides a descida e os meios de a contornar…
E então os olhos cederam, e a luz propagou-se num confuso clarão.
João Afonso

sábado, outubro 07, 2006

Era uma estrela - Gonçalo Almeida


Era uma estrela…

No meio do mar, no fundo da terra, uma sala…

E na escuridão absoluta das suas quatro simétricas paredes…uma estrela

Era uma estrela, uma luz, no centro da sala…


Mónica e eu tínhamos encontrado este lugar por engano…

Tínhamos encontrado uma estrela…

A minha companheira contemplava a luz de forma mórbida…


Em três fragmentos espaciais, olhei na direcção da sua cara…

A sua pupila dilatava lentamente e preenchia todo o espaço de seus olhos…

Senti e passou…

Mónica enfrenta-me com olhos negros como pérolas raras….



Estava na altura de procurarmos outro lugar…


Nós éramos anjos, ou robots…

Flores ou aranhas…


Éramos como galáxias gémeas e inexploradas…

E, sobretudo, voávamos e viajávamos como a poeira da história…


Havia algum tempo…

Um dia, eu pude ver o monstro…

Mónica pediu-me que não revelasse a verdade, sobre o infinito e o que vem depois…

Estou agora preso…

Preso a um impulso, sem formas nem cores, mas que me conserva…

Gonçalo almeida, em "Nós"

sexta-feira, outubro 06, 2006

Ventos - Gonçalo Almeida




Avistámos ao longe as ruínas da antiga cidade que fora outrora o local da nossa concepção como ser harmónico...

Num piscar de olhos, foi sugado o meu sentido de audição e substituido por um silêncio tranquilizante, mas intenso...

Enfrentei a tua cara como quem enfrenta o futuro ...

Um toque...e o céu encheu-se de aves negras em alvoroço caminhando para o infinito...

Foi este, o mesmo vento que nos fez chegar aqui, eu disse...

O céu tornou-se vazio como o profundo oceano, e nele o medo...

Passaram longos compassos...

Olho num só olho teu...

o barulho...

A vida...

E nós...

Enterrados


Gonçalo Almeida, em "Nós"

"Pink", inspirado no filme "The Wall", de Pink Floyd - John Pika


He was living in a great depression
With no father, no mother compassion
He was looking for a lovely ending

But the one he loved never corresponded!


Persecuted by war,

Living in a past of Terror
Closed in his room alone
Destroying all because someone!


No one knows what and why

May be he just needed the blue sky

Why they drop the bomb?

Why cruel world?

In the battlefield taking a walk

Seeing the past, seeing the dark...

Going crazy, slowly dying...

Goodbye cruel World, Goodbye...


"All in all, it was all just bricks in the wall"


John Pika